Extremos climáticos, cidades subterrâneas e o capitalismo japonês


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oje a sensação térmica foi de 34°C, como se diz por aqui, um sol de rachar mamona. Seja qual for a origem dessa onda de calor, fato é que isto está se tornado mais comum do que deveria, é o terceiro ou quarto ano seguido onde esse tipo de fenômeno acontece e isso não é nem o máximo climático. Já houve dias em que as temperaturas bateram 39ºC. Tais condições não são nada convidativas para sair de casa. Essa experiencia particular tem sido gradualmente compartilhada por mais e mais gente, o que deve pressionar mudanças no modo de se pensar às cidades, ao menos no estrangeiro: o Brasil é sempre o último a saber. 

Desde 1915 existem experimentos com a cidade subterrânea de Coober Pedy na Austrália, são estruturas um tanto rústicas construídas nas minas de opala, mas que servem para manter alguma vida social durante os períodos de extremo calor. 

Já Path no Canadá parece um grande shopping center, o subterrâneo de Toronto fora criado para manter o comércio aquecido durante os severo inverno canadense. Com base nessas experimentos urbanos que idealizei as Ciclovias Subterrâneas do Edgyverso.

Um outra solução - até mais simples que a anterior – para manter o comércio vivo em meio ao calor extremo seria a noite. O patronato brasileiro é demasiado selvagem e escravista de forma que tem de ser regulados por uma legislação férrea, mas outros países possuem maior flexibilidade para manter uma vida noturna tanto mais estética. Nesse sentido Tokyo é referencia, mas além das luzes neon (na verdade foram substituídas por led), existem os kombini, conveniências 24h prontos a oferecer alimento e entretenimento just in time

São 4 da manhã e por algum motivo você não consegue mais dormir. Você abre a geladeira e não tem nada pra comer. Então você veste um agasalho e se dirige a uma conveniência. Escolhe um ramén na prateleira, pega um chá gelado e ainda acha seu mangá favorito em uma das prateleiras. O mundo é hostil, mas tem comida bebida e entretenimento, as luzes da conveniência iluminam sua solidão, numa  ilustração de página inteira, um exta colorido, daquela waifuzinha fofa sorrindo para você.

Bem, se morasse no Japão isso poderia ser verdade mas você está no Brasil. Não existem conveniências 24 horas, a burocracia não deixa. Você também não vai encontrar mangá por lá, a antiga estrutura das bancas colapsou, mal tem títulos em português e você tem de encomendar pela internet por um preço nada módico. Vai ficar com fome esperando o amanhecer e sem mangá para ler, talvez ligue a TV e veja algum jornalista reclamando do machismo estrutural, ou fique deitado mesmo rolando o feed infinito do instragrama. 

O capitalismo japonês tem algo de estético, algo de romântico que o Brasil nunca foi capaz de emular.

Ainda no caso japonês, se quiser minorar o contato humano, há máquinas de vendas espalhadas por todo o país onde pode encontrar desde de bebidas a calcinhas sujas – espero que você não seja o tipo de degenerado que consuma esse tipo de coisa.

Mas, não é como se a temperatura fosse o único óbice ao comércio urbano. Em geral as cidades brasileiras são feias, violentas e o capitalismo tupiniquim pouco desenvolvido; você não vai ter uma experiencia estética muito agradável e nem ter acesso a um mercado diferenciado, em geral o que vende no comércio você pode comprar na internet - aliás, sempre que eu posso boicotar o comércio local em favor do digital eu assim o faço, incialmente por comodidade, posteriormente por motivos ideológicos -. A questão estética é negligenciada, mas ela pesa muito na competição com os meios digitais, pois em um mundo de produção em massa, a experiencia é o diferencial. Que experiencia se pode ter em um país que insiste no ideal de uma república dos párias, no paradigma do favelismo cultural? Sem uma rejeição desse paradigma e valorização dos elementos locais e folclóricos, mais sobretudo uma ampliação do imaginário, esse problema nunca vai ser solucionado.

Estou consciente de que as ideias contidas nesse texto são palavras jogadas ao vento, o problema é tão grande e demasiados os meios de ação necessários para resolve-lo, isto não vai ser resolvido durante o breve período de nossa existência, caro leitor. Ficará para os homens do futuro, se houver futuro. A solução ao alcance de nossas mãos é tornar nosso lar um oásis climatizado de sanidade e beleza ante a barbárie do ambiente exterior, como uma pirâmide perdida no deserto. 

About Edmundo_Noir

Sommelier de anime, profeta do IApocalipse, missionário do chá e webteólogo. Pedalando entre ruínas.

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