O garçom do Opus Dei


Bartender: Kami no Glass
★★★★★★★☆☆☆
(Nota: 07/10)

Li certa feita, no extinto blog Otakismo, um artigo sobre os "homens herbívoros" do Japão. Na época o tema era novidade, hoje esse assunto está batido: é aquele plot clichê de como as novas gerações estão perdidas. Se você é novo na bolha, vou explicar de forma apressada e resumida: trata-se basicamente de gente com baixo engajamento social que resolve viver a vida na maciota sem entrar na corrida dos ratos por dinheiro, bens de status e mulheres. É parecido com o que o pessoal hoje chama de MGTOW, redpill ou sei lá o nome que dão para isso no momento em que está lendo esse texto.

De todo o modo, o que me chamou atenção na época foi a perspectiva dada pelos herbívoros em relação ao mercado de trabalho. Diferente da visão boomer onde o mercado de trabalho era objeto de realização pessoal, onde o sujeito devia estar sempre a buscar os melhores cargos e maior remuneração, esses japoneses estavam interessados apenas em custear seus hobbies, optando por trabalhos temporários ou um ambiente mais tranquilo mesmo que a remuneração não fosse lá muito generosa. Pelas circunstâncias da vida, acabei por adotar essa perspectiva e me tornando um concurseiro xD.  Não digo que é uma perspectiva errada, mas é um tanto quanto perigosa... Tudo bem se, apesar da falta de ambições e limitada dedicação dentro dos estritos limites do horário comercial, você prestar um bom trabalho. O problema é não fazer isso; trabalhando de forma arrastada, sendo um mau profissional, uma pedra no sapato, tornar tudo mais complicado e aborrecer vida dos demais. Esse anime talvez lhe ajude a viver bem a vida de npc, digo a viver bem o trabalho. 

Bartender: Kami no Glass é um anime inusual que trata de uma certa mística do trabalho que lembra muito a teologia do Opus Dei. Gente de fora da bolha quando ouve falar da organização talvez pense em ninjas albinos, espiões ou assassinos do Vaticano (seria divertido se assim fosse), mas basicamente o que define a Opus Dei é ideia de tentar santificar o trabalho. Voltando ao anime, basicamente o bom e velho buteco se torna quase um santuário e o garçom um sacerdote a preparar míticas poções para curar a alma de seus clientes. 


Não parece nada muito diferente da velha mística do buteco, presente também é nossa tradição sertaneja, não é? Mas é diferente. Primeiro porque o ambiente etílico tupiniquim é um antro de degeneração, pecado e luxúria, diferente do ar quase sagrado do Eden Hall, além disso o anime mostra os dois lados da mesa, tanto os dramas dos clientes quanto a profunda ascese por parte dos bartenders e aspirantes na busca pelo preparo a taça divina (kami no glass, que dá título ao anime) e é sobretudo através do bartenders que todo um bushido do trabalho é desvelado. Você definitivamente nunca viu nada semelhante em terras tropicais.



As circunstâncias da vida me impedem de alimentar demasaido idealismo para com o trabalho, sobretudo no Brasil. De todo o modo, creio que esse anime tem algo a ensinar. Ao acompanharmos a jornada de Ryuu talvez nos sintamos convidados a rever o modo como estamos trabalhando. Por último devo dizer que nós católicos o sabemos (diferente dos estultos protestantes) que beber não é pecado e o álcool foi abençoado por Deus, mas nem por isso você deveria se tornar um alcólatra.

About Edmundo_Noir

Sommelier de anime, profeta do IApocalipse, missionário do chá e webteólogo. Pedalando entre ruínas.

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